reportagem especial

Apesar de previsão do MP, prefeitura não fixa prazo para licitar transporte público

Felipe Backes e Pâmela Rubin Matge

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Foto: Eduardo Ramos (Diário)/
Serviço municipal é rodeado por um cenário de críticas e da espera por um processo licitatório que já amarga cinco décadas

Não é satisfatório para ninguém. A qualidade e o modelo do transporte público em Santa Maria recebe críticas e sugestões de mudanças de todos os lados. As empresas apontam para um sistema que não consegue se manter e que precisa ser socorrido pela prefeitura, que aporta recursos públicos. Enquanto isso, o usuário arca com um reajuste de R$ 0,80 (o maior já concedido) e vê problemas históricos ainda sem solução. E tudo isso em um cenário de incerteza diante de uma possível licitação - a primeira em mais de cinco décadas de serviço.

Não é simples compreender o cenário. São renovações de contratos, interferências judiciais, medidas impopulares, jogo de interesse político e aumento de tarifas. Em outro tempos, o descontentamento tomava as ruas em protestos e manifestações históricas que reuniram, principalmente, estudantes.

Ao que tudo indica, e conforme o próprio Ministério Público, avizinha-se, finalmente, o processo licitatório aguardado há anos. A previsão do MP é para junho, mas o prefeito de Santa Maria, Jorge Pozzobom (PSDB), é enfático ao dizer que não pode fixar prazos, mas que sim, a licitação é uma determinação e um compromisso de governo.

A promessa é de uma mudança radical no serviço oferecido ao santa-mariense, mesmo que sem uma garantia de que o valor da passagem diminua. Chama atenção, que é somente em junho que a prefeitura prevê a realização de audiências públicas para debater o tema com a comunidade, conforme informado pelo secretário de Mobilidade Urbana, José Orion Ponsi da Silveira.

Também, pela primeira vez, o Executivo propôs subsidiar o transporte público municipal. Um projeto de lei foi proposto para que dinheiro público - R$ 3 milhões - seja destinado para custear parte da tarifa e manter o valor em patamares ainda aceitável ao usuário. A tendência deve ser mantida para o futuro.

Na última quarta-feira, o vereador Ricardo Blattes (PT), proponente de uma Comissão Especial do Transporte Público do Legislativo municipal, encerrada ainda em novembro do ano passado, reuniu-se com o procurador-geral do município, Guilherme Cortez, para tratar sobre o projeto de lei que prevê o subsídio.

-Um número redondo sempre nos deixa redondamente enganados. Embora Santa Maria precise definir subsídio, não é dessa forma. Eu até voto contrário em função da falta de dados que o município tem nos dado em relação aos números. Eu não sei se R$ 3 milhões é mais ou menos do que precisa, justamente porque é um chute, e política pública não pode ser feita com chute. Foi esse meu apelo ao município para que ao longo da tramitação do projeto consiga dar precisão sobre esse quantitativo - diz o vereador.

O prefeito observa o panorama nacional de transporte público e insiste na transparência dos processos.

- É dever do Legislativo questionar os valores, se será preciso mais ou menos. Tenho uma equipe técnica e se eles apontaram que são R$ 3 milhões, não vou discutir. O que entendemos é o que transporte público no Brasil está falido e temos que pressionar lá em Brasília a aprovação de um fundo que assegure o público que tem a gratuidade do serviço. Não vou dar prazos para licitação e estamos trabalhando com absoluta transparência. O MP tem sido fundamental. E devemos lembrar que Santa Maria nunca precisou parar um só dia com o transporte.

PROMESSA É DE "MUDANÇA RADICAL" NO TRANSPORTE URBANO SANTA-MARIENSE

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Foto: Eduardo Ramos (Diário)

Todo o debate relacionado ao transporte público converge para um único ponto: a necessidade de um processo licitatório para concessão do serviço. Há 52 anos, desde 1970, as mesmas seis empresas operam o transporte semlicitação. O relatório do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS) feito em 2019 corrobora o fato. O debate é antigo e permeou diversas gestões municipais. A previsão da atual administração era promover o processo em 2020, no aniversário de meio século de operação. Entretanto, a pandemia mudou os planos, e o contrato com o consórcio operador do sistema passou por novas prorrogações. Na última renovação, ainda no fim de 2021, a validade do contrato foi estendida até 30 de junho deste ano.

E é justamente essa a previsão que o secretário espera que seja dado o início do processo licitatório do transporte público. A promessa do secretário de Mobilidade Urbana, José Orion Ponsi da Silveira, que coordena os trabalhos da licitação, é de uma "mudança bem radical" no sistema de gestão e no serviço prestado ao usuário. A ideia, a partir da licitação, é garantir maior participação do poder público no gerenciamento do sistema, modernizar e qualificar o serviço. Por outro lado, também estão previstos subsídios com dinheiro público e investimentos, tanto da prefeitura quanto da empresa que receberá a concessão, e não há garantias de que o valor da tarifa, atualmente reajustado para R$ 5, será reduzido.

A prefeitura ainda trabalha nos termos de referência e nos detalhes do processo licitatório e do Plano Diretor do Transporte Urbano. Na última semana, o Executivo recebeu os resultados dos estudos da empresa ProCidades, de Porto Alegre. A empresa foi contratada, ainda em 2019, por R$ 275 mil, para analisar o modelo de transporte público do município e levantar informações para embasar o plano diretor e a licitação. O material ainda vai passar pelas equipes técnicas da prefeitura, além da procuradoria jurídica e do setor de finanças. Também estão previstas audiências públicas sobre o tema em junho. Só depois dessas etapas que a licitação deve ser publicada. Mas alguns pontos do novo modelo do transporte estão definidos e foram explicados pelo secretário de Mobilidade Urbana em entrevista exclusiva ao Diário.

ISENÇÃO E SUBSÍDIOS

Tramita na Câmara de Vereadores três projetos de lei, de autoria da prefeitura, que tratam do transporte público. Todos foram enviados no contexto do último aumento da tarifa para R$ 5, e objetivam reduzir o impacto no bolso do usuário. Um deles solicita a isenção total da cobrança do ISSQN na tarifa da passagem a partir do ano que vem, o que representaria um impacto de cerca de R$ 0,15 no valor da passagem. A medida já havia sido adotada na metade do ano passado para evitar um aumento durante a pandemia. Conforme a prefeitura, o poder público deixou de arrecadar R$ 1,07 milhão com a medida. Se aprovado o projeto de lei, a expectativa é de que deixe de entrar nos cofres públicos, só em 2023, R$ 1,9 milhão. Além disso, há uma proposta para subsídio de R$ 3 milhões para o restante de 2022.

Os subsídios e as isenções já são uma realidade no transporte público de Santa Maria e devem permanecer após a licitação. O objetivo é manter a tarifa em níveis razoáveis ao usuário para evitar a evasão e atrair mais passageiros, o que também teria efeito positivo no trânsito ao retirar automóveis das ruas.

- O subsídio é a forma mais democrática de colocar a autossuficiência do sistema e não colocar o custo somente no pobre ou naquele que necessita usar o transporte coletivo. Isso é uma gestão democrática e responsável do sistema. A partir daí se tem uma autossustentabilidade dividida por todas as pessoas - argumenta Ponsi.

Empresas operadoras do serviço em Santa Maria

  • Expresso Nossa Senhora das Dores
  • Gabardo Transportes Coletivos
  • Expresso Medianeira
  • Transporte Salgado Filho
  • Santa Catarina Transportes
  • Viação Centro Oeste

LICITAÇÃO DEVE PREVER GESTÃO CENTRADA NO PODER PÚBLICO

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Foto: Eduardo Ramos (Diário)/

A "mudança radical" está no sistema de gerenciamento. A partir do novo contrato, a aposta do Executivo é dar mais autonomia ao poder público, em uma gestão compartilhada.

- As empresas vão fazer a operação do sistema. Vamos ter uma fiscalização e um sistema de gestão muito mais centrada nas mãos do poder público - afirma Ponsi.

A intenção é montar um centro de controle operacional nas dependências no Centro Integrado de Operações de Segurança Pública (Ciosp). A partir desse centro, o monitoramento e a fiscalização das linhas seriam operados de forma remota e online, via câmeras em ônibus e paradas, sistemas de GPS e tecnologias similares. A partir da modernização da gestão, espera-se tornar o transporte mais eficiente e confiável, com horários cumpridos fielmente.

O plano é também ampliar e modernizar o acesso à informação. A ideia é que horários, itinerários e localização dos ônibus nas linhas sejam disponibilizados de forma mais eficiente em plataformas digitais, como sites e aplicativos, e fisicamente, nas paradas e dentro dos coletivos, com atualização sob responsabilidade da empresa vencedora. Mudanças no sistema de cadastros e recarga de passagens também devem ocorrer, para minimizar a necessidade de deslocamentos presenciais para esse fim.

O plano também prevê a reorganização de linhas e a consolidação de terminais. Atualmente, Santa Maria não possui um terminal para passageiros, mas sim grandes paradas de ônibus. A primeira intervenção deve ocorrer no Paradão da Avenida Rio Branco, um dos principais pontos de ônibus na cidade.

- Queremos qualificar o terminal, deixar mais moderno, adequado, com informações ao usuário. Uma boa estrutura de serviços. Depois, teremos terminais em zonas periféricas - garante o secretário de Mobilidade.

Ainda não há previsão de quanto será o investimento necessário para tirar os planos do papel.

- Temos apontamentos de necessidades para serem estabelecidas nesse processo licitatório. Muitos não são investimentos puros do município, mas do próprio operador que vai ganhar a licitação. São obrigações contratuais, que exigem a disponibilização de certos serviços ou estruturas compartilhadas - explica Ponsi.

Uma nova legislação sobre o transporte público municipal também está sendo preparada e será enviada para a Câmara de Vereadores. Entre os principais pontos, está a possibilidade de rescisão contratual com empresa operadora do transporte em caso de falta de qualidade do serviço. A ideia é promover um sistema de pontuação do serviço que terá a participação do usuário para avaliar a qualidade do transporte. Ainda não há data.

"QUANTO CUSTA? E QUEM PAGA?"

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Foto: Eduardo Ramos (Diário)/
O anúncio do aumento da passagem de ônibus em Santa Maria ocorreu no dia 4 de abril. A tarifa subiu de R$ 4,20 para R$ 5

O diretor da Associação dos Transportadores Urbanos (ATU), Edmilson Gabardo, defende que a situação do transporte público pode ser resumida em duas simples perguntas:

- Quanto custa? E quem paga? São essas duas questões que precisam ser respondidas. E essas respostas podem ser dadas a partir do processo licitatório. O atual contrato com as seis empresas que formam o consórcio Sistema Integrado Municipal (SIM) termina em 30 de junho.

- Estamos aguardando a licitação com a mesma ansiedade de toda a sociedade. Essa situação precisa ser resolvida. A licitação precisa sair o quanto antes, para definir regras. Como nosso contrato é muito antigo, tem muitas situações não resolvidas claramente. A legislação nacional diz que os reajustes precisam ser anuais. E, agora, ficamos por dois anos e meio sem reajustes. E isso já aconteceu em outras situações. E quem paga essa conta da defasagem tarifária? - questiona o empresário.

Gabardo não descarta a participação das empresas do consórcio no processo licitatório, mas analisa a situação com cautela.

- Não sabemos o que vem. Em princípio, como somos do ramo, vamos participar. A intenção é que a gente participe. Mas tem que ver as condições que serão estabelecidas. De repente, não teremos condições de participar - avalia.

As empresas não fazem investimentos significativos no transporte público desde 2019, quando a última aquisição de um ônibus, justamente por que a licitação estava prevista para 2020. Atualmente, a idade média da frota beira os nove anos, o que é considerado alto. O impacto financeiro da pandemia, que gerou uma queda de mais de 50% no número de passageiros, sem um reajuste na tarifa, minou a capacidade de investimento das empresas, conforme Gabardo.

A notícia da possibilidade de subsídio, que ainda tramita na Câmara de Vereadores, amenizaria a situação e é o caminho, na opinião do diretor, para salvar o transporte público. Em um cenário de aumento de custos e da tarifa, o que afasta o usuário do sistema, o uso de recursos públicos para baratear a passagem reverteria a situação.

- Tem que ter investimento público. Em subsídio e infraestrutura. Precisamos de investimento pesado. Não é meia dúzia de paradas de ônibus - argumenta Gabardo.

O diretor da ATU traz o exemplo de Curitiba e sugere melhorias no sistema a partir da licitação, com melhores paradas de ônibus, corredores preferenciais para o transporte público (Santa Maria só conta com um, na Rua do Acampamento), por exemplo, que tornariam o serviço mais atrativo e ágil. Para Gabardo, todas as melhorias propostas são viáveis, mas custam caro e não podem ser repassadas na tarifa, o que penalizaria o usuário.

-É uma injustiça o usuário pagar a conta. O transporte não é sustentável com a tarifa sendo paga apenas pelo usuário - afirma Gabardo.

TOTAL DE PASSAGEIROS TRANSPORTADOS 

  • 2019 - 28,75 milhões
  • 2020 - 12,78 milhões
  • 2021 - 12,28 milhões

PASSAGEIROS TRANSPORTADOS POR MÊS (2021) 

  • Jan: 919 mil
  • Fev: 867 mil
  • Mar: 785 mil
  • Abr: 863 mil
  • Mai: 916 mil
  • Jun: 964 mil
  • Jul: 1,05 mi
  • Ago: 1,09 mi
  • Set: 1,07 mi
  • Out: 1,18 mi
  • Nov: 1,26 mi
  • Dez: 1,28 mi

TOTAL DE PASSAGEIROS POR CATEGORIA DE PAGAMENTO

  • Tarifa Integral
    2019 - 17,55 milhões
    2020 - 9,28 milhões
    2021 - 9,04 milhões
  • Tarifa com desconto
    2019 - 5,02 milhões
    2020 - 1,04 milhões
    2021 - 1,72 milhões
  • Gratuidade
    2019 - 6,17 milhões
    2020 - 2,46 milhões
    2021 - 1,50 milhões

COMO É CALCULADA A TARIFA

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Foto: Pedro Piegas (Diário)/

A tarifa resulta da divisão do custo total por quilômetro, acrescido do valor dos tributos, pelo Índice de Passageiros por Quilômetro (IPK). Cada um desses índices é calculado pela equipe técnica da Secretaria de Mobilidade Urbana, que faz um levantamento de todos os custos que incidem sobre a operação do transporte. São os custos variáveis (combustível, óleos, lubrificantes...) e fixos (despesas com pessoal, administrativas, depreciação...). Além disso, são levados em conta os dados de usuários do sistema.

O cálculo do IPK é feito pela divisão entre o total de passageiros equivalentes pelo total da quilometragem percorrida pela frota em um determinado espaço de tempo. O dado do passageiro equivalente é diferente do número de passageiros totais. Para se chegar ao número de passageiros equivalentes, não se leva em conta as gratuidades e as meia-passagens. Ou seja, idosos que não pagam não são contabilizados, e estudantes, que pagam a meia, equivalem a meio passageiro, por exemplo. Portanto, em 2021, o número de passageiros totais foi de 12,28 milhões, e o de passageiros equivalentes de 9,92 milhões.

D e acordo com a planilha da prefeitura, o custo de cada quilômetro rodado, para efeitos de cálculo da atual tarifa, é de R$ 8,64. Pela fórmula, com o acréscimo dos tributos que incidem sobre o transporte, o custo total por quilômetro rodado é de R$ 9,04. O índice IPK ficou em 1,69, e a divisão desses valores resultou na tarifa técnica apresentada pela prefeitura, de R$ 5,34.

Conforme essa fórmula, quanto maior o índice IPK, menor é a tarifa ao usuário. E para o índice IPK ser maior, são necessários mais passageiros no sistema. A relação direta é a seguinte: quanto mais passageiros pagantes usam o sistema, menor será a tarifa. Da mesma maneira: quanto menor a quilometragem percorrida pelos ônibus, também menor será a tarifa.

A relação também se aplica ao outro lado da fórmula. Se o custo de combustíveis, lubrificantes e com salário de pessoal for menor, também menor será a tarifa. O mesmo se aplica da forma contrária. Caso o preço dos insumos suba, a tarifa também subirá.

Todos esses cálculos são, então, apresentados ao Conselho Municipal de Transportes (CMT), composto por diversas entidades de Santa Maria, que aprovam ou não a tarifa. Mas a decisão final é do prefeito Jorge Pozzobom (PSDB), que determina a nova tarifa via decreto. No último reajuste, no começo de abril, a tarifa decretada foi menor do que a tarifa técnica: R$ 5. Para custear a diferença, o município propôs à Câmara de Vereadores um subsídio a ser pago para as empresas. Até o final do ano, o valor estimado a ser subsidiado com dinheiro público é de R$ 3 milhões.

  • TARIFA = CUSTO POR KM + IMPOSTOS / IPK

COMPOSIÇÃO DA TARIFA

  • Salários e encargos - 46,29% (R$ 2,47)
  • Combustíveis e lubrificantes - 24,58% (R$1,31)
  • Peças e acessórios - 8,16% (R$ 0,44)
  • Remuneração de capital - 5,58% (R$ 0,30)
  • Impostos e previdência - 4,5% (R$ 0,24)
  • Depreciação - 4,79% (R$ 0,26)
  • Despesas administrativas - 4,10% (R$ 0,22)
  • Pneus - 2% (R$ 0,11)

SEGUNDO MINISTÉRIO PÚBLICO, ESTIMATIVA DE EDITAL DE LICITAÇÃO É ATÉ 30 DE JUNHO

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Foto: Eduardo Ramos (Diário)/

Diferentes administrações que passaram pelo comando do Executivo municipal enfrentaram duras críticas por conta da mesma demanda: os contratos de concessão do transporte público e a cobrança pela licitação por diferentes representações da sociedade. Santa Maria nunca realizou um processo licitatório. Há cinco décadas, a prefeitura contrata diretamente a realização do serviço.

Em fevereiro do ano passado, foi o Legislativo municipal que abriu a Comissão Especial do Transporte Público, que teve como presidente o verador Ricardo Blattes (PT). Com relatório final apresentado em novembro, as principais deliberações apontaram a necessidade de reforma do atual Conselho de Transportes, criação de um Conselho de Mobilidade Urbana, bem como de uma lei para criação do fundo de Mobilidade Urbana.

-A reforma do Conselho de Transporte garante a representatividade, verificando sobretudo as entidades que estão irregulares, e garantir a participação de estudantes, do movimento comunitário e do setor empresarial. Um conselho que tem a diversidade da cidade - defende Blattes.

À luz da legislação, a Lei Federal 8.987/1995 prevê a obrigatoriedade do processo licitatório para as concessões de serviços públicos, bem como a Lei Municipal 1.567/72 exige "para exploração do serviço de transporte coletivo urbano por meio de ônibus (...) a quem obtiver concorrência pública". Giani Pohlmann Saad, titular da 2ª Promotoria Cível de Santa Maria, explica que atuais contratos em vigência são precários, termo que, em Direito, quer dizer provisórios, vigentes só o tempo suficiente para realização da licitação, por determinação judicial, para fins de que o serviço não seja interrompido em prejuízo da comunidade.

HISTÓRICO

Em 2010, o Ministério Público de Santa Maria ajuizou ação civil pública visando a anulação dos contratos de transporte públicos municipais e a realização da licitação do serviço. Do período de 2010 a 2012, houve a apresentação da contestação, que são as defesas técnicas das empresas concessionárias e do município.

A promotora, que atualmente é responsável pelo processo, contextualiza que, à época, as empresas concessionárias requereram prova pericial, pois sustentaram a tese de que os contratos não podiam ser extintos na época e ser realizada nova licitação sem que os investimentos exigidos pelo município nos períodos de prorrogação, dentre os quais, a bilhetagem eletrônica fossem quitados. A tese foi acolhida e ficou definido que tais valores fossem discutidos em processo próprio, tendo os trâmites entre escolha, custo e delimitação temporal do período a ser periciado, bem como dos recursos pertinentes perdurado até 2015, quando da apresentação do laudo pericial.

Após, o MP requereu, novamente, que fosse deflagrado o processo licitatório, tendo o juízo entendido, em 2017, que não havia urgência que justificasse a necessidade da realização da licitação, sem o prévio saneamento das questões pendentes. Foi quando MP recorreu dessa decisão ao Tribunal de Justiça. A parte demandada requereu complementação da perícia, sendo o laudo pericial complementar sido entregue em junho de 2018. O Tribunal de Justiça acolheu parcialmente o pedido, não determinando a imediata licitação, mas sua realização, com prazo para organização da mesma, em 17 de junho de 2018.

Em 27 de junho de 2019, o juízo torna a baixar o processo em diligências. O MP, novamente, pediu liminar para que o município fizesse licitação até 2020.

PANDEMIA

Foi neste ano, porém, que eclodiu a pandemia Covid-19 e o número de horários e linhas ofertadas cai drasticamente, em face às exigências do plano de distanciamento ampliado e, depois, controlado, para enfrentamento da pandemia. A situação, que gerou desequilíbrio econômico-financeiro do contrato, levou o serviço ao risco de colapso e descontinuidade.

- O MP local, com apoio do Núcleo de Autocomposição do Ministério Público (Mediar), optou pelo caminho da mediação. Buscou-se esse caminho para evitar que novas discussões, recursos e perícias gerassem mais anos processual. Como resultado, conseguiu-se que o serviço não fosse paralisado no período, e, principalmente, sem que esse desequilíbrio fosse repassado em aumento de tarifa ao consumidor -explica a promotora.

ATÉ JUNHO

O MP sustenta que nunca se esteve tão próximo da licitação como agora. A estimativa é de ter edital publicado até 30 de junho de 2022, conforme dados informados pelo município junto ao processo judicial, bem como em reunião com a Agência Reguladora de Serviços Públicos (Agergs), município de Santa Maria e o Mediar-MP, ocorrida em 11 de abril.

- O Ministério Público, diante da complexidade técnica da licitação, firmou termo de cooperação com a Agergs especialmente para auxílio técnico para que a licitação de Santa Maria seja o mais moderna e autossustentável possível na modelagem do serviço pelos próximos dez anos - afirma a promotora.

PLANEJAMENTO EFICIENTE E RACIONAL PARA SOLUCIONAR O PROBLEMA DO TRANSPORTE

data-filename="retriever" style="width: 100%;">Foto: Eduardo Ramos (Diário)/

A melhoria do transporte público e da mobilidade urbana como um todo passa pelo planejamento urbano eficiente e racional, na opinião do professor Calos José Antônio Kümmel Félix, do departamento de Transportes da Universidade Federal de Santa Maria e doutor em Mobilidade Urbana. Felix sugere medidas de qualificação, como o uso de GPS nos ônibus, aplicativos que informem as melhores rotas e horários e diminuam a imprevisibilidade ao usuário, além de tecnologias que facilitem o pagamento. Além disso, também devem ser criadas faixas exclusivas para os ônibus, o que reduz custos e ganha tempo. Para isso, é necessário um planejamento amplo da mobilidade, que priorize pedestres, bicicletas e meios de transporte públicos.

O especialista também aponta para a necessidade de que a população provoque uma mudança de comportamento que priorize o uso de transporte públicos, bicicletas ou mesmo caminhadas.

Com um transporte mais atrativo, mais usuários fariam parte do sistema, o que possibilitaria a redução da tarifa. Félix também aponta para a necessidade de subsídios, principalmente que custeiem benefícios como a meia-passagem e a gratuidade, atualmente pagos pelo usuário que compra a tarifa integral. Afora a pandemia, o sistema já vinha com queda gradativa no número de usuários, causado justamente pela falta de priorização do transporte coletivo e o incentivo ao transporte individual.

Para o especialista a boa mobilidade é a que dá mais opções aos habitantes, com a criação de um sistema que integre toda a rede de suporte. Há também a necessidade de infraestruturapara desenvolver um plano diretor que motive a diversidade do transporte.

Já a especialista Marcia Pasin, que pesquisa a área de comunicação veicular e é professora do curso de Ciências da Computação na UFSM, aposta na tecnologia para a melhoria do transporte público. Para ela, conforto, rapidez, custo, segurança e informação são pontos essenciais na melhoria do serviço. Uma alternativa simples e que poderia garantir um salto na qualidade é a utilização do Google Transit, ferramenta online que poderia auxiliar o usuário a verificar rotas, tempo de espera e acompanhar o tráfego em tempo real. Atualmente, os dados do transporte público de Santa Maria não estão disponíveis no serviço.

- É uma alternativa boa, não se paga infraestrutura para manter o serviço. Não tem que ter uma empresa que faça, mas é necessário ter informação de paradas, de linhas. Isso já poderia ter sido feito - destaca.

DEMISSÕES E INCERTEZAS DE QUEM TIRA O SUSTENTO DA CATRACA

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Foto: Eduardo Ramos (Diário)/

O cenário para que uma antiga profissão se torne obsoleta e materialize a total extinção de cargos acompanha a promessa de modernização dos serviços ao mesmo tempo que já "corta na carne" dezenas de trabalhadores em Santa Maria. O número de cobradores demitidos, bem como os que ainda seguem na ativa, não é emitido com exatidão pelo sindicato, pela prefeitura ou pelas próprias empresas de ônibus. Isso porque o Executivo municipal alegou que esse é um controle feito pelas empresas. Porém, ao adiantar detalhes da licitação do transporte público, o secretário de Mobilidade Urbana, Orion Ponsi, indicou que a nova licitação pode prever a inexistência de cobradores.

Conforme a Associação de Transportadores Urbanos (ATU), eram cerca de mil funcionários no sistema antes da pandemia. O montante chegou a cair pela metade e está, atualmente, com cerca de 600, incluindo recentes recontratações por conta da volta às aulas da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), e a necessidade de profissionais e linhas que passam pelo Bairro Camobi. Por outro lado, o impacto do novo decreto - que elevou o preço da passagem de R$ 4,20 para R$ 5 -, implicou na redução de 25% das linhas com cobradores, o que significa entre 60 a 70 demissões em andamento.

O Sindicato dos Trabalhadores e Condutores de Veículos Rodoviários de Santa Maria e Região (Sitracover) diz que 75% dos cobradores foram demitidos.

- Com a reforma trabalhista do Temer (ex-presidente Michel Temer), as empresas não fazem mais as rescisões no sindicato. Com isso, perdemos o controle do número de trabalhadores demitidos. O que se sabe é que antes da pandemia tínhamos 400 cobradores e retiraram 75%. Hoje devemos ter uns 100. Está crítico. Os motoristas estão sobrecarregados com a extinção dos cobradores, e os ônibus não estão adaptados com as catracas próximas da porta para que se exerça essa dupla função - critica Rogério Santos da Costa, presidente do Sitracover.

O sindicato tem acompanhado a maioria dos casos e não é otimista quanto uma remodelação do transporte público em Santa Maria:

- A licitação, não vai resolver o problema e temos exemplos de outros municípios. Tem que haver uma política pública federal de transporte público para resolver o problema em todas as cidades que estão na mesma situação: a que os custos aumentam e quem paga a conta são os usuários.

"TODO DIA VEJO COLEGAS DE PROFISSÃO DESGASTADOS FÍSICA E MENTALMENTE"

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Foto: Eduardo Ramos (Diário)/

Fabricio Mineiro Ribas, 41 anos, trabalhava como cobrador. No dia 1º de abril, a notícia, da demissão que embora não fosse uma surpresa, mudou os planos de vida de quem há uma década tirava o sustento da catraca.

- O impacto foi muito grande. Tenho compromisso com água, luz, internet e alimentação. Agora estou fazendo a Carteira de Habilitação para tentar um novo emprego. Tenho 41 anos e moro com meu pai, que é idoso e meu irmão. Eu ainda tenho saúde para procurar trabalho, mas tenho ex-colegas que têm família e pagam aluguel. A situação é triste. Os cobradores que foram desligados estão preocupados, pois já estávamos sem reajuste há três anos, e esse cálculo foi revisto para quem ficou. São muitas incertezas para nós. Todo dia vejo colegas de profissão desgastados física e mentalmente. Motoristas por excesso de função, e cobradores com medo da demissão ou mal porque já foram demitidos.

O lamento de Fabricio, que não é só pela própria demissão, mas pela de outros colegas, também perpassa uma história que ele acompanhou dentro de casa. É que o pai, Irion Ribas, 88 anos, exerceu a mesma profissão.

- Sou um dos fundadores do sindicato (Sitracover). Fui cobrador, depois virei fiscal. Fui para a rua e participei de greves. Em uma delas, a cidade ficou quatro dias sem transporte e veio o pessoal de Porto Alegre (sindicalistas) nos ajudar. Pedíamos pelos nossos direitos, pois trabalhávamos mais de 12 horas por dia. Muita coisa mudou, mas os problemas do transporte coletivo de Santa Maria existem desde a década de 1970 - conta Irion.

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